30 novembro 2006

Subjectividade


Não podemos ter a certeza que vivemos, que somos. A dúvida de Descartes está por resolver. Até ele que julgara tê-la resolvido achando-se pensar, logo existir, acabou, ao que se julga, por duvidar que pensava, remetendo essa responsabilidade para Alguém que, esse sim, o pensaria…
De facto não é preciso ter construído como Renatus Cartesius um dos maiores edifícios intelectuais da humanidade para reparar que não podemos senão ter a impressão que vivemos. Nos sonhos também, enquanto mergulhados na “acção”, temos a mesma impressão, para se desvanecer logo que acordamos.
Não há uma só prova concreta de que existimos realmente. Tudo se passa em nós, somos sujeito e objecto simultaneamente. Mesmo a sermos de facto, nós e toda a envolvente é fabricação nossa. De facto só a subjectividade faz sentido. E até a consciência que nos habita se vai alterando com o tempo, ou melhor, com a nossa percepção de uma constante mudança.
Porque do tempo – sem o qual nos perderíamos – nunca ninguém soube dizer o que quer que fosse de definitivo. Sim porque quando o “eu” existir comprovadamente, também, sem dúvida, o tempo emergirá por esses dias da sua obscura morada…
Não é que seja absolutamente certo o que afirmo mas afirmo absolutamente ser um sistema muito plausível na galáxia das incertezas por onde às vezes viajo.

Cátia Farias

25 novembro 2006

Ininterruptamente


Já o Hoje nasce trazendo consigo todos os dias que passaram e todos os dias que virão.
Cada momento é uma ponte entre duas margens de um rio eterno. Embora a certeza do cenário possa eclodir plutónica, o que se abrange para trás é uma névoa irreal e o que se alcança do lado de lá é de uma opacidade só vagamente matizada de incontáveis conjecturas. A ponte vacila constantemente e lá em baixo o rio de uma indiferença majestática vai correndo ininterruptamente. Heraclito sorri serenamente observando a manhã que sabe ser ímpar o que lhe basta para a achar bela e infinitamente misteriosa.
As energias vão-se ajustando ao módulo diurno e todas e cada uma das partículas de que se compõem os movimentos viajam sem cessar…

Alice T.

23 novembro 2006

Edmund Phelps

Edmund Phelps
Prémio Nobel da Economia 2006

Saiba porquê (ppt - apresent. slide)
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anotado por: Nuno G. Ferreira

20 novembro 2006

Entretenimento

Já ninguém se lembra do Líbano e do conflito do Hezbollah com Israel. Após estes horrendos cometas mediáticos que surgem pela sua invulgar desumanidade sempre me pergunto o que será feito daquelas gentes. Como estarão a viver o período não menos difícil do rescaldo dos confrontos. Uma vez por outra lá consigo apanhar um qualquer programa sobre o assunto mas habitualmente são acontecimentos passados.
Não há dúvida que a informação mediática tem muito pouco a ver com o conhecimento. Não digo que isso seja bom ou mau em si. Não, trata-se apenas de cumprir o papel do espectáculo da comunicação, do entretenimento. As notícias são isso mesmo.
Contudo, nunca por nunca convirá cair no perigo de confundir a notícia com a realidade. A notícia é uma parcela tão ínfima do real que seria uma impossibilidade transmitir objectivamente mais do que uma chamada de atenção para qualquer coisa no globo que saiu dos padrões que se acham vulgares. Porque, por mais concreto e isento que seja um relato noticioso, ele sempre encerra um trabalho de composição.
No caso da televisão até mesmo em directo as opções do operador da câmara de filmar e a descrição espontânea do jornalista fazem a diferença. Se preparados sons as imagens, já misturados e montados, podem constituir três ou quatro minutos de glória televisiva com toda a subjectividade que isso pressupõe.
A nossa imaginação obriga-se a estar cada vez mais treinada para ler os meios de comunicação de forma retirar qualquer coisa de objectivo do espectáculo mediático. Um trabalho mental em paralelo que depende, já há partida, do nosso conhecimento: quanto mais vasto este for maior será a capacidade de interpretar a notícia.
Convenço-me às vezes, baseado em experiências vividas, que se a relação com o acontecimento for através um envolvimento directo próprio, a notícia perderá praticamente toda a realidade, passando a ser o que é: uma determinada interpretação subjectiva do real destinada ao entendimento geral, o mais das vezes assaz caricata quando confrontada com uma vivência pessoal!
Um destes dias surgirão com certeza notícias dos esforços que o Hezbollah está a desenvolver para demonstrar a submissão do governo do Líbano à política dos Estados Unidos. Quando isso acontecer pensaremos que a História afinal tem um fio condutor. Até mesmo a História dos eventos noticiáveis…

Vasco Sousa

19 novembro 2006

Um site por semana

O sítio da semana .
[48]

17 novembro 2006

Fatalidades...

Trago na memória um dia como este. Assim invernoso e húmido. E tenho a sensação que as sonatas de Mozart também soavam em fundo tal como agora.

A memória, essa entidade poderosa e imprescindível, mantém-nos vivos. Mesmo que difusa é ela que nos justifica e nos significa.
Um dia desapareceremos sem saber o que seja a memória. O que sabemos é que sem ela não somos… É fatal.

Cátia F.

15 novembro 2006

Signos VIII

13 novembro 2006

Tanta sabedoria também não!

Hoje o debate no Prós e Contras na RTP1 será, segundo está anunciado, sobre “Doenças Novas e Emergentes” com base nas alterações do planeta. Não, não se trata de contágio publicitário. Não se pretende aqui divulgar o programa, sendo isto pouco mais do que um lembrete pessoal. Não falho a nenhum destes programas…
Dir-se-ia que gosto muito desses debates ao gosto popular. Gosto, mas não do debate, antes dos sinais que me proporciona. A maior parte das vezes nem sei muito bem o que dizem pois vou varrendo os canais amiúde. O que me interessa são os sinais e os indicadores. E nesta altura exclamar-se-á: «mas esse programa nada tem a ver com isso; trata-se de um debate de ideias em directo!...».
Pois é, mas eu passo a explicar. Tome-se por exemplo o último, com o título de “A Prova dos Nove”. Que melhor indicador do país e da sua televisão pública se poderá usufruir do que estar perante uma discussão sobre economia e finanças onde os participantes têm uma média de idades superior a sessenta anos!!!... Este facto dá-me muito mais informação que o que quer que eu tivesse a paciência de ouvir!
Dir-se-á que a idade traz a sabedoria. Pois, mas assim tanta sabedoria também não.
Sobre o púlpito do senhor ministro das finanças não me pronuncio.
Ele há coisas que nos deixam a pensar…


Filipe Taveira

11 novembro 2006

A Rua

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...o constante recurso ao resultado eleitoral para legitimação da acção governativa constitui um erro do discurso político que se volta facilmente contra quem o pretexta...
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Não existe qualquer movimento que se explique apenas pelo momento que lhe deu origem.
Assim como a força que gera e constitui é somente o princípio de algo e não a justificação plena da sua existência, também uma maioria absoluta, de uma jovem mas já céptica democracia no extremo Ocidente de uma ambígua Europa neste século vinte e um, não poderá nem de perto nem de longe fundamentar a sua acção no voto popular que a legitimou. Só a um discurso inflamadamente politicão é desculpável a recorrência maçadora de tal argumento.

A rampa de lançamento e a energia gerada para a partida ficaram já para trás. Melhor até que não se lembrem muito mais do que para além do seu interesse histórico. A partir daí desencadearam-se as possibilidades de movimento e acção. A aposta inicial, a confiança dada, começam de imediato a ser postas à prova e é na actuação, no desenvolvimento do compromisso que o acordo pode então fazer sentido. Depois de se aceder a um lugar há que demonstrar que se merece o lugar.
Assim não sendo estaríamos praticamente perante uma dessas “tiranias” da antiguidade clássica em que depois de eleito o assim chamado “tirano” este passava a exercer todo o poder de forma absoluta.

Penso que o constante recurso ao resultado eleitoral para legitimação da acção governativa constitui um erro do discurso político que se volta facilmente contra quem o pretexta. Antes crítico ou zangado do que arrependido… O resultado da actuação governativa mede-se sim, com a maior fidedignidade, não só na rua… mas por todas as formas e mais alguma de auscultação da temperatura social em cada local, em cada instante.

É da vida da população que se trata. É o seu pulsar que conta no dia-a-dia. Os temperamentos são volúveis e os ânimos facilmente exaltáveis. Muitos já nem se recordarão muito bem quando votaram e porque votaram. Se já nem são bem os mesmos!
Tudo muda…


Vasco Sousa

09 novembro 2006

Asas de um mito petrificado

Mesmo que o alarido ao longo do cais empedernido pelos séculos suba de tom em festins e arruaças, o navio queda-se pesado e inerte à espera de genuíno almirante e sua experiente tripulação que na posse de rumo decidido se hão-de debruçar frementes sobre antigos mapas e náuticos instrumentos que enfim farão a nave ganhar vida para além do porto imundo e sabujo em que a populaça atolada teima em chafurdar infantilmente.
Quando o navio for já minúsculo ponto deslizando num horizonte ofuscante de possíveis futuros, lá longe por onde um dia há-de voltar repleto de novas alegrias, de lendas desfeitas e etapas cumpridas que improvavelmente conhecerás, um pássaro descerá sobre ti mansamente e ao pousar quase imperceptível sobre o teu ombro sentirás o frémito do prazer da aventura que os ancestrais nesse momento te hão-de conceder. O teu cabelo desalinhará pelo sopro da fresca brisa de incontáveis alvoradas. O teu sorriso será todo o cais, o teu olhar a inabalável expectativa e o mundo serenamente se alegrará. Feliz, ondulando saudades, o imenso oceano te há-de acenar!
E o pássaro se erguerá de teu ombro granítico batendo asas com tal firmeza que jamais esquecerás seu som compacto a ecoar nessa aurora distinta e infinita.


Alice T.

07 novembro 2006

Um site por semana

O sítio da semana

05 novembro 2006

Etimologias


Ultimamente tem-se ouvido falar muito de promessas. Sobretudo de promessas que não se cumprem!...
A questão remete-nos mais uma vez para a linguagem, o esteio essencial de uma cultura que, como matriz do pensamento, é o elemento mais identificativo da evolução psicológica de determinada sociedade. Evolução no sentido de mudança. Há que convir que nem toda a evolução será por certo progressivamente positiva…

Não há muitos anos atrás, mais acentuadamente pela geração anterior, era muito utilizada a palavra honra. Dizia-se amiúde: «dou-te a minha palavra de honra». Significava-se com isto que não eram necessários argumentos ou provas complementares para que os outros acreditassem nas nossas asserções, nos nossos propósitos, nas nossas promessas. As raízes desta terminologia serão determináveis pelos mais estudiosos dessas matérias, todavia a nossa história mais épica demonstra facilmente que grandes compromissos foram concretizados quase exclusivamente com recurso ao conceito de honra como valor supremo e incorruptível. É muito frequente associar-se a palavra honra e tudo que se lhe associa à época dos descobrimentos como vínculo maior dos grandes almirantes aos seus deveres e empreendimentos, contagiando toda a sua tripulação. Aliás se quisermos ir mais longe no tempo e no relacionamento pessoal dificilmente conseguiremos dissociar a história de Portugal da noção de honra.

Hoje, em que quase tudo parece ser evidente, sendo tudo óbvio… as modestas linhas anteriores são [obviamente] muito rapidamente classificadas de barrocas, extravagantes, passadistas, quiçá ridículas.
Mas, regressando à linguagem, não são as minhas palavras que saem do contexto actual, mas sim o contexto actual que praticamente já não se confronta com o étimo honra. E porquê? Porque o conceito de honra, o valor que lhe corresponde, vai caindo em desuso, [obviamente] pelo desempenho que as gerações dos actuais “almirantes” e suas tripulações lhe asseguram.
Busco a palavra que me diga melhor o reconhecimento público: não encontro!

Alice T.

03 novembro 2006

Signos VII

01 novembro 2006

Atitude científica

O que interessa é experimentar uma atitude em que o “eu” desapareça perante o esforço e a curiosidade por aquilo que se nos oferece conhecer...
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Quando observamos a natureza com desprendimento e alguma acuidade científica é difícil não nos deixarmos deslumbrar com as inúmeras manifestações de precisão que de uma penada nos devolvem à nossa minúscula estatura como criadores.
A flexibilidade de um caule de planta da maior fragilidade aparente deformando-se ao sabor do mais violento vento de forma a preservar praticamente incólumes todas as características que lhe permitirão subsistir sem problemas, servindo-se das suas intrincadas estruturas helicoidais, ensina-nos sobre um mundo de resistências inauditas que só as mais avançadas engenharias poderão dar uma pálida explicação.
O rigor quase metafísico das volumetrias e desenhos das conchas do mar obrigam-nos forçosamente à meditação e à constatação das nossas limitações para entender as geometrias e os segredos da biologia.
Poder-se-ia enumerar um sem número de maravilhas, passando pela incomparável visão dos pássaros e a super-organização dos insectos sociais. Porém não faltam livros e outros meios de divulgação das curiosidades da natureza que se debrucem com maior delonga e especialização do que seria possível alguma vez aqui ensaiar!
Neste hiato o ponto tem mais a ver com a observação, com a forma como olhamos para o mundo. Que vale a pena que o façamos de uma forma científica. Não, não é preciso ser cientista ou especialista do que quer que seja para ter uma atitude científica. O que interessa é experimentar uma atitude em que o “eu” desapareça perante o esforço e a curiosidade por aquilo que se nos oferece conhecer e apareça depois com a calma, o regozijo e a humildade resultantes de nos sabermos por momentos um infinitésimo desprezável da natureza e ainda, ao mesmo tempo, saber que deixamos imprescindivelmente de caminhar sós…

Nuno G. Ferreira