09 novembro 2006

Asas de um mito petrificado

Mesmo que o alarido ao longo do cais empedernido pelos séculos suba de tom em festins e arruaças, o navio queda-se pesado e inerte à espera de genuíno almirante e sua experiente tripulação que na posse de rumo decidido se hão-de debruçar frementes sobre antigos mapas e náuticos instrumentos que enfim farão a nave ganhar vida para além do porto imundo e sabujo em que a populaça atolada teima em chafurdar infantilmente.
Quando o navio for já minúsculo ponto deslizando num horizonte ofuscante de possíveis futuros, lá longe por onde um dia há-de voltar repleto de novas alegrias, de lendas desfeitas e etapas cumpridas que improvavelmente conhecerás, um pássaro descerá sobre ti mansamente e ao pousar quase imperceptível sobre o teu ombro sentirás o frémito do prazer da aventura que os ancestrais nesse momento te hão-de conceder. O teu cabelo desalinhará pelo sopro da fresca brisa de incontáveis alvoradas. O teu sorriso será todo o cais, o teu olhar a inabalável expectativa e o mundo serenamente se alegrará. Feliz, ondulando saudades, o imenso oceano te há-de acenar!
E o pássaro se erguerá de teu ombro granítico batendo asas com tal firmeza que jamais esquecerás seu som compacto a ecoar nessa aurora distinta e infinita.


Alice T.

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