28 outubro 2006

O propósito antropocêntrico


Curiosamente quanto menos propósito acho em tudo mais me sinto como parte do todo. Achar que o Homem tem qualquer coisa de transcendente, algo de inexplicável que o diferencia de todos os seres do universo, um qualquer desígnio que o elege de entre toda a natureza, faz-me sentir desligada de uma realidade possível que, sabendo ser apenas minha, se me afigura intrincadamente cooperativa. O relevo que possa eventualmente atribuir a mim própria neste imenso cosmos soa-me necessariamente a uma efabulação egocêntrica, ou, na mais desumanamente altruística das hipóteses, a uma deslumbrada presunção antropocêntrica.
Vejo, quando vejo, a humanidade como tudo o resto, não um fim mas um meio. Uma etapa como as demais. Se tudo se transforma…
Colocar o ser humano no topo de uma pirâmide hipotética que toca o céu é tão sagaz como colocar o Sol no centro do mundo!
Eu sei, eu sei… a espécie acumula Ciência, produz objectos que apelida de artísticos e sei também que é capaz de se pensar a si própria. No entanto estou segura de que não se pensa agora como se pensava há mil anos atrás. Estou também certa de que a humanidade não sabe que humanidade acreditará em quê daqui a outros tantos mil anos!

Cátia Farias

11 comments:

Anonymous Anónimo said...

Mais uma vez a Cátia nos coloca um problema inteligente e revela, se não fundamentação científica, perspicácia quanto baste para isolar a verificação de que parte. Acresce que a esta última associa o olhar distanciado que lhe permite observar a Humanidade como uma realidade objectiva para lá dos seus sentidos e só desse modo seremos capazes da racionalidade imprescindível para uma leitura mais aprofundada destes problemas. É tal e qual como sugere, tão certo como estarmos aqui, se não se exterminar pelo teste do domínio das tecnologias nucleares e de destruição massiva e os desarranjos que o nosso modo de vida possa provocar nos ciclos naturais em que assentam os equilíbrios do planeta propícios à vida tal como a conhecemos, a espécie humana evoluirá e seguramente se transformará na mesma medida em que o sapiens sapiens representou uma alteração relativamente às populações que precedentes e das quais, ao que parece, terá resultado. Como e em que direcção, ninguém sabe e é de todo impossível prevê-lo mas e sempre salvaguardando a eventualidade de não nos extinguirmos, existe uma elevadíssima improbabilidade de sermos, digamos assim, a fase última desta espécie tão curiosa. Em última instância, seria impensável que os humanos que venham a emigrar da Terra, pudessem manter imutavelmente as nossas características em outros ambientes, venham a ser estes os artificiais dos meios de locomoção para tanto necessários, ou quaisqueres outros meios naturais de planetas diversos em que os descendentes desses navegantes possam vir a constituir novas colónias. Sendo assim, é claro que jamais alguém poderá imaginar como os indivíduos desta nossa espécie e muito menos das que lhe sucedam serão capazes de pensar ou o que disso possa resultar. Ainda que custe aos incautos, não há dotes premonitórios que resistam a isso. A evidência das modificações que o pensamento –salvo seja a expressão- sofreu ao longo deste últimos milhares de anos, decorre em acto contínuo do conhecimento dos textos dos Antigos.
Mais lhe aprecio pois o fogo que faz sobre o antropocentrismo no sentido em que este nos desvia do nosso contexto natural, pois ao colocar-nos numa onda em que de facto não estamos e que na verdade não existe, o tal sentido pré-determinado –quase se poderia dizer animista, não?- da nossa existência, tão só nos cega quanto à compreensão do universo envolvente e com isso nos impede de inclusivamente sustentarmos melhor as escolhas que perante o mesmo possamos querer fazer. Com efeito, neste último aspecto, a Cátia proporciona-nos, com elegante subtileza, argumentos férteis para melhor organizarmos um qualquer discurso que possamos querer fazer sobre a problemática em causa.
Mas por aqui nos ficamos e, na minha modestíssima opinião, sob pena de o partirmos, não podemos ir mais longe com as observações que apresenta. Se é verdadeira a proposição que não existe sentido no Universo e, por consequência, dentro do mesmo e dele parte integrante, para a espécie humana, não nos podemos esquecer que ela decorre de um facto, isto é, essa é a realidade objectiva tal como se nos apresenta. Ora se daí quisermos extrair continuidade em termos de justificação de uma determinada maneira de ver as coisas, por outras palavras, se partirmos daí para defendermos uma posição baseada nessa inexistência de sentido então estaremos a incorrer na tautologia de acharmos que faz sentido pensar um sentido para a vida por ela não ter sentido nenhum. Em termos gnosiológicos não nos leva a lado nenhum, o pensamento terminará aí ou, quanto muito, forçar-nos-à a uma outra lógica de racionalidade diversa daquela que nos trouxe até aqui.
A Cátia tem razão quando aponta o dedo à presunção da transcendentalidade da nossa espécie nos moldes em que ela normalmente nos é apresentada. Contudo, devemos compreender que, neste caso, nos estamos a referir às construções culturais que fazemos e, mesmo em face de tais erróneas interpretações, digamos assim, não serão elas que inviabilizarão a possibilidade de inclusivamente conseguirmos justificar os tais desígnios ocultos ou superiores que queiramos escolher –lê bem- para nós enquanto animais e isto numa interpretação que parta de níveis em que o depreciado antropocentrismo tenha sido ultrapassado. Seria, digamos assim, uma atitude bizarra se pretendêssemos ter conseguido uma explicação definitiva que obrigatoriamente o seria o fazer da verificação de que partimos o limite daquilo que a Humanidade seja capaz de conceber. Ainda que o Professor Stephen Hawking tenha falado há mais de uma década do limiar do fim da Física, estamos ainda muito longe de termos explicado tudo. E como ele sustenta com um certo humor, parece que Deus ainda guarda algumas cartas na manga. Mesmo sem sentido nenhum, a menos se extinga ou, por qualquer acontecimento natural seja extinta, a Humanidade tenderá a continuar.
É que a questão primacial está no problema da escolha que é uma possibilidade oferecida à partida a todos os ser humanos. Nesse sentido, sem a pretensão de nos querermos colocar no vértice de uma qualquer direcção pré-definida no Cosmos, não há nada que nos proíba de pretendermos escolher pela permanência, como não há nada que nos impeça de em tal opção igualmente preferirmos um determinado caminho e isto mesmo sem termos que nos apresentar como especialmente eleitos por e para o que quer que seja, mas tão só pelo facto de sermos uma espécie dotada do dom do livre arbítrio e da capacidade de o transformarmos na materialização de culturas tão diversas quantas as solicitações que a geo-física nos tem colocado.
Formulo os maiores votos para que não tenha sido impertinente e muito menos maçador e expresso o desejo que estas palavras sejam entendidas enquanto derivadas da cordialidade e do desejo de trocar ideias. Como lhe disse, a Cátia escreve com inteligência e elegância e sustenta pontos de vista pertinentes e interessantes, no caso, demasiado importantes para não nos obrigarem a reflectir sobre os mesmos. Por isso este comentário que de todo espero não a melindre e possa ser visto como se fosse parte de uma conversa educada. Que não tenha perdido o seu tempo, será a coisa mais importante.
Paz e saúde, também para todos os que lhe sejam queridos.

29/10/06 12:04 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Deixo-te aqui uma visão bonita de um possivel propósito, que não deixa de ser antropocêntrico...
Nós somos espirito. A primeira vês que vimos ao mundo, palco onde as personagens se movem e interagem, somos brutos e animalescos (os assassinos são almas primitivas, p.ex). Morremos. Voltamos a vir. Aperfeiçoamos com a aprendizagem, com a vivência partilhada e individual, a reflexão, mas não atingimos o conhecimento e a realização nas primeiras vidas. Morremos. Voltamos. Morremos.Voltamos. Até atingirmos maturidade, sabedoria, paz interior e capacidade infinita de amar (algo proximo do Dalai Lama). Assim que atingimos este ponto espiritual não precisamos mais voltar para este mundo (o infernonde, lugar onde o mal prolifera e outras alegorias que tais) e temos acesso à vida eterna (o céu, o paraiso ou como quiserem designar). Que tal. Dá vontade de viver assim.
Torna-se um projecto pessoal de construção espiritual gradual até ao prémio final. Nada mais centrado em nós. Usamos os outros para melhorarmos o nosso espirito. O altruismo torna-se na mais profunda fonte de egoismo e fonte de enriquecimento espiritual. Mas se pensarmos bem... antes esta forma de egoismo do que qualquer outra, não é?

29/10/06 1:36 da manhã  
Blogger antimater said...

Gisela,
Nunca consegui "entrar" muito no Samsara.
Talvez seja demasiado Oriental para a minha ocidentalidade.
Buda, penso, ensinou como sair do Samsara.
Para os "mais civilizados" Samsara é um perfume...

Cátia F.

29/10/06 3:05 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Cara Cátia,
Pareceu-me que fez referencia ao meu anterior comentário.Aquele da pirâmide de microorganismos.
Mas ou me exprimi mal ou não fui bem interpretada.Com o devido respeito.
Não coloquei o ser humano no cimo duma pirâmide que tocasse o céu.
Pelo contrário.Apresentei-o precisamente sob uma perspectiva material e de sobrevivencia básica e muito natural.Não tinha assim qualquer propósito transcendental(perspectiva ,aliás, que me incomodou um pouco,confesso).
Dar relevo a "mim própria",como a Cátia diz,se não for feito com a devida modestia e sentido de que nada sabemos(e sublinho:nada sabemos)soa obviamente a presunção antropocêntrica ,coisa que também não tolero.Aí dou-lhe total razão.
Contudo, ao colocar o Homem como pertença de algo transcendental, estou a dilui-lo no Todo.Como poderia ser antropocêntrica?
Assim, ao diluir-me, estou a incluir-me no eterno do qual faço parte sem que com isso diminua nem o Eu consciente e presente, nem o méro Átomo ou partícula/onda quântica no qual me vier a transformar.
A noção que creio ter de toda essa organização é que me faz admitir a Beleza e Existencia daquilo a que chamo de Transcendental.
Se quiser chamar-lhe de Natureza,
confesso, é-me indiferente.

29/10/06 3:48 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Viva Ibis 2!
Paz e saúde para si e todos os que lhe sejam queridos são os meus maiores desejos.
Queira desculpar-me o estar-me a dirigir a si deste modo, mas não percbi a razão de ser da sua observação.
Onde está o seu comentário anterior?

29/10/06 11:32 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Peço desculpa a todos pela burrice, mas a pergunta anterior que saíu com identidade anónima, foi colocada por mim, Luís F. de A. Gomes (Atirei O Pau ao Gato - http://pauga.blogspot.com).
Agradeço a vossa generosa compreensão.

29/10/06 11:35 da manhã  
Blogger antimater said...

Ibis,
Embora tome sempre boa nota dos seus comentários, o post não os refere de todo, pelo menos desta vez.

Cátia F.

29/10/06 2:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro Luís f. de a. gomes ,
o comentário no qual referi uma tal de pirâmide, está mesmo aqui ao pé.
Foi um comentário referente ao anterior post de Cátia Faria,de 20 out.,e que tem como título: FATALIDADE .

Não necessitava quase identificar-se, pois mesmo como "Anonimous" foi-me fácil deduzir quem era pela cordialidade com que sempre se apresenta.Um bem haja e muita Paz para si tambem.

Cara Cátia Faria,não faço de todo questão que referenciem os meus comentários.
Eles não passam disso mesmo,embora tenha o hábito de ler sempre todos os outros que alguém antes de mim escreveu, no respectivo post.
Aproveito para aprender mais um pouquinho,e acabo conhecendo um pouco mais o grupo dos comentadores "residentes".apreciaderes deste excelente Blog do qual faz parte.

Continuem.É uma benção para a alma.
E para a mente Cátia,claro,para a mente.
Abraço.

30/10/06 2:40 da manhã  
Blogger antimater said...

Ibis2: Agradeço e retribuo.
Cátia F.

30/10/06 4:45 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

«É plenamente conhecido que a idéia de reencarnção faz parte da cultura dos povos orientais, particularmente aos que adoptam religiões e filosofias profundas como o Budismo e a Hinduismo, geralmente vistas como 'exóticas'.

Menos reconhecido, porém é o facto de que esta idéia também está presente na herança intelectual do ocidente. Os gregos, por exemplo, a reconheciam como uma hipótese válida, e os órficos (ver a Home Page Orfeu e o Orfismo), que representavam a casta do sistema religioso mais avançado dos gregos (Reale & Antiseri, volume 1, 1993; Reale, volume I, 1994), expunham sua concepção paligenésica (da reencarnação) numa roupagem filosoficamente avançada, que influenciou sobremaneira Sócrates e Platão , dentre outros. Platão, especialmente, nos legou fortemente sua crença na reencarnação, como podemos ver, entre outros diálogos escritos por ele, no Fédon. Antes dele, Pitágoras também a adotou como condição sine qua non para a evolução plena da alma. Posteriormente, Plotino e Orígenes, o Cristão, também a divulgariam. São Clemente de Alexandria (posteriormente cassado pela Igreja Católica) também a considerava uma doutrina de profundo sentido. Na Europa gaulesa e britânica, os druidas acreditavam na reencarnação em termos semelhantes aos gregos e budistas, e os hebreus, na fase helênica, não a desconheciam, sobretudo pelo intercâmbio com o mundo greco-romano, donde a idéia de ressureição ter algo consfuso da idéia da reencarnação (por isso as passagens em que se diz que Jesus ou João Batista seriam a ressureição de algum profeta antigo, como se pode ver em algumas passagens dos evangelhos, como em Mateus, 17, 11-13; Marcos, 9, 11-13; João, 3, 3-7 e Lucas 1, 17). Enfim, enquanto culturalmente em outras partes do mundo a idéia na reencarnação era discutida e endossada, pelo menos como uma proposta filosófica coerente, ela teve lugar no pensamento ocidental e como parte da doutrina cristã até o Consilho de Constantinopla de 533 DC, quando, por motivos políticos, foi formalmente repudiada pelo clero (Fadiman & Frager, 1986, p. 176).

Mesmo assim, esta idéia persistiou entre as pessoas que tinham acesso aos filósofos clássicos e ao contato com as crenças antigas. Os Cátaros, no século XII, especialmente, tinham uma visão cristã original, onde a idéia da reencarnação era vista como verdade inquestionável.»

2/11/06 12:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Cátia

achei curioso falares no Samsara. Tive que ir ver o que isso era no Google! Eu não estou muito ou nada por dentro da cultura oriental e dos termos "técnicos" da religião e da filosofia. Budismo só sei que existe, conheço o Dalai Lama e sei que acreditam na reencarnação, mas isso não é propriedade das religiões orientais (como se pode verificar no texto acima). Eu sou cristã e a minha filosofia pessoal vem da leitura de textos relacionados com os Cátaros, um povo que encerra o Cristianismo primitivo.

2/11/06 12:47 da tarde  

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