26 agosto 2006

Subtileza quântica


Hoje quando acordei, lembrei-me vagamente que não tinha que ir trabalhar. Simplesmente não me ocorreu porquê. Talvez tivesse memorizado ontem quando me deitei que hoje era feriado, não sei... Alcancei o relógio de pulso que também tem data a ver se a minha percepção fazia sentido. Espantosamente o relógio tinha parado às 2:46 do dia 25 de Março de 2007. Uma data impossível. O pequeno mecanismo antes de parar deve ter ficado avariado de todo. Não me incomodei muito pois a casa está pejada de aparelhos com horas e data.

Incompreensível e preocupantemente todos estavam parados por volta das 2:45 a.m. e os que também tinham data tinham paralisado sem excepção em 25 de Março de 2007, o que segundo as minhas contas seria por daqui a cerca de sete meses! Aqui, comecei a ficar inquieto com tamanha estranheza. Pensei em algum fenómeno de simpatia electrónica, alguma subtileza quântica.

Qual não foi o meu espanto ao verificar que os relógios afinal não estavam de maneira nenhuma parados, mas apontavam alguns as 2:47 e outros já as 2:48. Portanto a hora era aquela e tudo levava a crer que a data também estivesse certa!...
O que eu pensei ser uma anomalia exterior a mim passou de repente a ser inequivocamente um fenómeno relativo ao sujeito, que neste caso e desgraçadamente era eu. Havia pois supostamente um lapso de sete meses na minha memória.

Que fazer? Para onde terá ido todo este tempo? Como posso ter acordado a pensar que estava num dia sete meses antes do dia actual?! Mas agora que já estou bem acordado tudo continua na mesma. A ideia de que é feriado persiste. Estou a ficar ansioso e um pouco deprimido temendo pela minha saúde…
Liguei o computador, confirmando de modo incontestável o tempo que a minha consciência apagou e comecei a contar aqui o sucedido, não vá acontecer qualquer outro caso extraordinário. Paro um pouco para ver o correio. Todos os mails se quedam em 26 de Agosto de 2006, não havendo registo de nenhum para além dessa data. Olho lá para fora pela janela à minha direita e a noite banal responde com total indiferença ao esforço da minha memória. Aproximo-me mais ainda da janela e de repente leio o texto que escrevo onde digo que me aproximei mais ainda da janela. Por momentos pensei que me via a mim próprio olhando pensativamente lá para fora. Está um dia esplêndido com o Sol já alto e cismo, não sei porquê, há quanto tempo foi emanada toda aquela luz que o fulgurante astro espalha a rodos. Em que dimensão viverá neste momento o espanto solar?

Nuno G. Ferreira

4 comments:

Blogger antimater said...

Esta até que não destoaria na minha colecção de "ubiquidades".
Ou serão já influências?

Alice T.

27/8/06 2:38 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Não te lembras de eu ter postado um comentário amanhã! Pensa lá bem... comentava como no futuro poderia acontecer uma IIGuerra Mundial se Hitler não parasse com a mania das grandezas. Já se sabe que a Atlântida é uma terra muito cobiçada... Bem são horas de ir para a cama, já deu o Vitinho.

27/8/06 8:25 da tarde  
Blogger antimater said...

Luisa
Gisela

O ponto de partida:


Descartes

Sou o único homem na terra e talvez não haja terra nem homem.
Talvez um deus me engane.
Talvez um deus me condenasse ao tempo, essa longa ilusão.
Sonho a lua e sonho os meus olhos que percepcionam a lua.
Sonhei a tarde e a manhã do primeiro dia.
Sonhei Cartago e as legiões que devastaram Cartago.
Sonhei Lucano.
Sonhei a colina do Gólgota e as cruzes de Roma.
Sonhei a geometria.
Sonhei o ponto, a linha, o plano e o volume.
Sonhei o amarelo, o azul e o vermelho.
Sonhei a minha infância adoentada.
Sonhei os mapas e os reinos e aquele duelo na alba.
Sonhei a inconcebível dor.
Sonhei a minha espada.
Sonhei Isabel da Boémia.
Sonhei a dúvida e a certeza.
Sonhei o dia de ontem.
Talvez não tenha tido ontem, talvez não tenha nascido.
Talvez sonhe ter sonhado.
Sinto um pouco de frio, um pouco de medo.
Sobre o Danúbio está a noite.
Continuarei a sonhar Descartes e a fé dos seus pais.


Jorge Luis Borges (1899 –1986)
Obras Completas III
A Cifra

27/8/06 9:44 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Aí se encerra o mistério da vida e de algo superior a nós, que desconhecemos porque não nos é dado a ver. Mas daquilo que nos é dado a "ver" podemos optar se vemos ou não. Há pessoas que vivem infinitamente com os olhos fechados e por isso vivem de facto um sonho. O cego porque não quer ver é o mais feliz dos homens, porque não tem que suportar o peso das imagens e letras que viu e percebeu. A inocência é o poder de ver sem ver, quem me dera que me tivessem deixado ficar no sonho da infância...

29/8/06 11:21 da tarde  

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